Taxação de 14% sobre quem ganha R$ 50 mil por mês pode elevar arrecadação em R$ 145 bi, indica estudo
Fonte: O Globo
Taxação mínima de 14% sobre os brasileiros que ganham mais de R$ 50 mil
por mês, ou acima de R$ 600 mil por ano, traria uma arrecadação de até R$
145,6 bilhões aos cofres públicos, um ganho de 40% frente ao que a Receita
Federal arrecadou com as declarações em 2024.
É o que sugere uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), publicada nesta quinta-feira e assinada pelo economista Pedro
Humberto Junior, técnico do instituto.
A proposta, que visa acabar com a regressividade do sistema tributário, faria
com que os 2% mais ricos passassem a pagar proporcionalmente o mesmo que
hoje é cobrado de quem ganha menos.
A nota sugere uma alíquota mínima de 14% sobre toda a renda, somando
Imposto de Renda e INSS, já que a contribuição previdenciária tem um teto e
pesa menos no topo da distribuição.
Lacunas no projeto de isenção de IR
O estudo é publicado em meio às discussões sobre o projeto de lei (PL)
1087/2025, aprovado em comissão na Câmara dos Deputados nesta semana ,
que prevê isentar do pagamento de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil
mensais e propõe aumento da carga para os mais ricos.
O economista responsável pelo estudo, no entanto, vê falhas no desenho do
projeto porque não eliminaria a regressividade na sua totalidade.
Pelas simulações feitas com base em declarações de IR de 2022, mesmo quem
ganha mais de R$ 2 milhões por ano pode continuar pagando pouco imposto
se a maior parte dessa renda vier de fontes isentas como dividendos, fundos
imobiliários e outras aplicações isentas.
A nota técnica também exemplifica o caso de um contribuinte com renda média
mensal de R$ 75 mil que estaria sujeito a um imposto de 5%, mas que já pagaria,
na prática, uma alíquota efetiva de 6,5%. A nova regra não aumentaria sua carga
tributária e só teria impacto real para quem ganha acima de R$ 90 mil por mês.
Tributação de dividendos
Outro ponto crítico do projeto é a previsão de tributação na fonte de 10% sobre
dividendos quando eles ultrapassam R$ 50 mil por mês, por pessoa jurídica.
Embora o valor possa ser abatido no ajuste anual da declaração de IR, o
economista explica que o modelo abre margem para manobras, como dividir
empresas ou limitar a distribuição de lucros para escapar da cobrança.
O projeto de lei prevê ainda que o abatimento só acontecerá quando a carga
total de impostos sobre o lucro da empresa ultrapassar 34%, algo raro em
empresas optantes pelo Simples ou Lucro Presumido, segundo a nota.
Para evitar que os mais ricos continuem escapando da tributação, o estudo do
Ipea sugere duas alternativas: aplicar a tabela progressiva sobre o total de
dividendos recebidos no mês, considerando todas as empresas, ou então adotar
uma alíquota fixa de 10% sobre todos os dividendos, como já acontece com
outros investimentos financeiros.
Outro exemplo hipotético apresentado pelo pesquisador é a de um diretor de
empresa com renda total de R$ 2,25 milhões por ano (ou R$ 187,5 mil por mês),
mas que declara como salário formal (pró-labore) apenas R$ 7,5 mil por mês.
Nesse cenário, 82% da renda do contribuinte viriam de fontes isentas de IR e
cerca de 16% continuariam isentas mesmo com a criação do imposto mínimo,
como investimentos em LCI, poupança, fundos imobiliários e indenizações.
Apesar da renda elevada e dele ser elegível ao novo imposto, boa parte dos
ganhos escaparia da base de cálculo.
Por que alíquota de 14%?
Para definir a alíquota mínima de 14%, o economista do Ipea levou em conta
que o maior percentual de tributação efetiva registrado em 2022 foi de 14,1%,
aplicado a contribuintes que ganham cerca de R$ 16 mil por mês. A ideia é que
essa mesma alíquota incida sobre os 2% mais ricos do país, faixa onde a
tributação hoje deixa de ser progressiva e passa a ser regressiva.
Essa taxa incidiria sobre toda a renda dessas pessoas, incluindo não só salário,
mas também dividendos, bônus, auxílios, prêmios de seguro e outras fontes que
hoje ficam fora da tributação.
A proposta, segundo o estudo, levaria a arrecadação do Imposto de Renda a
subir de 3,1% para 4,3% do PIB e deixaria o Brasil próximo de países como
Polônia e Uruguai, embora ainda distante da média de tributação de países
avançados da OCDE.
Propostas para evitar a fuga de capital
Como aumentar impostos sobre os mais ricos também traz o risco de fuga para
outros países com regras menos duras ou sonegação, o estudo sugere que a
Receita use acordos multilaterais para troca de informações fiscais e aplique um
imposto extra para quem mudar de país só para escapar de pagar impostos.
Uma prática hoje adotada por 14 países da OCDE.
A possibilidade de o lucro das empresas ser muito tributado é outra
preocupação. Mas o economista do Ipea adverte que, apesar de o Brasil ter
alíquotas nominais altas para empresas, a carga real que elas pagam é parecida
com a média internacional.
O estudo ainda alerta que ricos podem tentar evitar impostos investindo em
fundos isentos, como fundos imobiliários ou fundos de pensão. Para reduzir
essa brecha, propõe aumentar de dez para 15 anos o prazo mínimo de aplicação
para fundos de pensão e limitar as deduções fiscais para quem ganha mais de
R$ 600 mil por ano.
O estudo também recomenda estabelecer um limite para as deduções com
despesas médicas, que hoje acabam favorecendo mais quem ganha mais.
Segundo informações das declarações do IRPF de 2022, os 5% de contribuintes
mais ricos (renda mensal superior a R$ 28.296) concentraram 22,4% das
deduções para despesas médicas.
A ideia seria criar um crédito fixo e igualitário, ou baseado na idade, para todos
os contribuintes e seus dependentes usarem nos gastos com saúde, incluindo
remédios.
A nota do Ipea também sugere proposta para os imóveis, já que os mais ricos
têm facilidade de formar holdings imobiliárias que pagam menos imposto pelo
Simples ou Lucro Presumido do que o aluguel recebido como pessoa física,
sujeito à tabela progressiva do IR.
A proposta seria harmonizar a tributação em 15% de imposto. Além disso, para
estimular os pequenos investidores, sugere a dedução do aluguel recebido de
um imóvel com o aluguel pago em outro e dedução dos juros pagos em
hipotecas na renda do aluguel de um mesmo imóvel.